segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um bocadinho de mim




Em Primeiro lugar devo explicar que foi esta musica que me acompanhou todos as noites durante meses e foi com ela que ganhei forças para lutar pelos meus sonhos.
Ora não faz muito sentido ter um blog e não escrever aqui nada.Pois bem hoje é o dia.
Primeiro devo apresentar-me, sou a Sandra, tenho 33 anos e sinto-me perdida.
Escolhi o dia de hoje porque estou triste, alias, se bem me conheço, o meu blog terá as minhas visitas mais frequentes quando me encontro neste estado, pois é quando me tento encontrar e perceber os porquês, é quando procuro as respostas, é quando me procuro...As vezes dizem que sou diferente e eu também sinto o mesmo. Tenho um passado pesado talvez.
 Posso dizer que tive uma infância feliz, na presença da minha irmã, mãe, pai e avó; sempre fomos uma família muito unida, devemos isso a D. Antónia, a minha guerreira, a super mulher.A adolescência foi normal, na escola pertencia ao grupo dos "somos o máximo" :), aos 16 anos conheci o Pedro, namoramos 5 anos, foi com ele que aprendi a amar.
Quando tudo aos 19 anos corria na normalidade, fiquei doente - doença de Hodkin - (cancro no sistema linfático), começaram então os meus medos e os momentos de angústia. Quimioterapia de 15 em 15 dias durante um ano, radioterapia durante um mês seguido... lá se foram os caracóis lindos e ficaram  os pesadelos, a revolta, as incertezas, a vergonha... Porque a mim???  Todos os dias achava que ia acordar e afinal estava tudo bem, mas apercebi-me que aquela era a minha vida e afinal até tinha sorte pois os tratamentos estavam a correr bem, nunca fiquei internada, tinha a minha família e o Pedro sempre ao meu lado, afinal era feliz, um bocadinho verde e careca, mas feliz.
Aos 21 anos, já cheia de forças armei-me em revoltada e troquei o meu namorado que era o meu melhor amigo, por alguém que os meus pais não gostavam, por uma pessoa cheia de vícios, cheio de dividas, enfim, alguém que nem sequer amei, as vezes penso que me castiguei, por ter ficado doente, por ter traído o Pedro, achava que não merecia ser feliz, que o mundo era cinzento...
Felizmente e porque nada acontece por acaso, tive que arranjar 2 trabalhos para pagar as dividas contraídas por esse tal Sr. e foi na Tv cabo que conheci o Eds, voltei então a acreditar que afinal ainda havia tanta coisa azul para ver. O nosso relacionamento durou pouco tempo, mas o suficiente para viver uma grande paixão, irei recordar sempre com muito carinho as noites loucas de sexo em residênciais de 2ª, a viagem a Espanha, a primeira concentração de motas. Foi através dele que  conheci os meus grandes amigos e o amor da minha vida.
25 anos e era uma princesa, tinha uma vida linda, rodeada de amigos, um namorado fantástico, aprendi tanta coisa...
 25 anos...
22 de Agosto de 2001... Conheci também o outro lado da vida... fiquei sem chão, afinal era mesmo uma pessoa muito especial, pois até a doença que me foi diagnosticada era rara e em Portugal única. A menina bonita de 25 anos foi ao hospital pois nesse mesmo dia acordou inchada e com um cansaço inexplicável e saiu dos hospitais passado 4 meses com um coração novo. SARCOMA NO VENTRICULO DIREITO, isto não é mais que um tipo de cancro maligno. 
Parou tudo... vou então começar outra história.
 No dia 22 de Agosto de 2001 fui com o meu namorado, ao hospital por estar realmente muito inchada e cansada, quase não conseguia subir escadas e sair do carro. Entramos no S.F.X. as 11 da manha e as 22h ele saiu de lá directamente para o Porto Alto, para dar a noticia aos meus pais que eu tinha ficado nos cuidados intensivos, que tinha uma massa no coração e que estava em observações.  O MUNDO PAROU!
Passados 5 dias fiz a primeira intervenção cirúrgica e retiraram a tal massa para análise, passado 2 semanas ainda tive direito a ir um fim-de-semana até vila moura namorar, mas não sabia que era suposto ser o último fim-de-semana  bonito da minha vida. Regressei ao hospital... Os dias eram quase todos iguais, as 7h30 tentavam-me tirar sangue, era picada dezenas de vezes sem sucesso, fazia um electrocardiograma, davam-me banho, chegava a minha mãe depois algumas visitas, o alfs ia dar-me o jantar, via todas as novelas, lia e sonhava, sonhava muito, era o que mantinha viva,  os meus sonhos...
Houve uma dia diferente, as 3 médicas de oncologia entraram nos cuidados intensivos, sentaram-se na minha cama e a conversa foi mais ou menos assim:"Sandra já temos os resultados da biopsia, a massa que foi retirada, voltou e cresceu, o ventrículo direito já esta praticamente coberto por essa massa...Então e agora (perguntei eu)O que tu tens chama-se Sarcoma é um tipo de tumor maligno... Fiquei fria, a única coisa que perguntei foi: vou morrer não é?Ao que a Drª Ana D'el Rio respondeu: sim vais, tal como nós, todos morremos um dia, mas ninguém sabe quando. E pela primeira vez em anos (pois já me conhecia desde os 19), agarrou a minha mão e disse:  Sandrinha nós estamos aqui, estamos a estudar qual vai ser o melhor tratamento, para já iras fazer um ciclo de quimioterapia e poderá haver a hipótese de um transplante, mas ainda é muito vago, blablablabla...Deixei de ouvir... Um bocadinho de mim tinha acabo de morrer, afinal estava a morrer aos poucos, pensava eu...Nesse dia só me lembro de chorar, não falei com ninguém, as enfermeiras estavam preocupadas pois em tanto tempo aquele foi o primeiro dia que ninguém me viu sorrir. Queria tanto dormir, por favor deixem-me dormir... e não me lembro de mais nada  desse dia.Agora tinha a certeza que tudo poderia ser pela ultima vez, lembro-me que nos dias seguintes, olhei para a minha mãe e achei-a lindíssima, a voz dela entrava no meu coração e fazia-o bater, foi então que prometi a mim mesma que não ia morrer, tinha uma família que precisava de mim, tinha um namorado lindo e que esperava por mim, e tinha os meus sonhos para realizar.
No dia 5 de Dezembro de 2001 o milagre aconteceu e o meu anjo da guarda, Professor Fragata cumpriu a promessa, ele disse-me que acreditava em mim e no meu sorriso, quando fechei os olhos, lembro-me dele com a touca na cabeça muito perto de mim, lembro-me que falei da minha mãe e lembro-me que não tive medo, fechei os olhos com a certeza que tudo ia correr bem. 
Transplante cardíaco - o inicio de uma vida nova A operação demorou cerca de 3 horas, penso que as piores da vida da minha família. Quando acordei estava num "aquário" rodeada de máquinas, com pessoas mascaradas a olhar para mim... puf... apaguei outra vez. Passei 9 dias nesse tal aquário, a aprender a andar, a comer, a tomar 60 comprimidos diários, enfim, a aprender uma nova vida. Lembro-me especialmente do dia em que me conheci, mandaram-me ir tomar banho ao fundo do corredor, e lá ia eu toda orgulhosa, pois todas as pessoas que passavam por mim, me cumprimentavam e ficavam felizes por me verem a andar por ali fora. Entrei na w.c, mas ops estava ocupada, dei uns passitos para trás e pedi desculpa, mas... a porta não estava fechada e tinha sido eu  a acender a luz... voltei lá, bati a porta e ninguém respondeu... entrei novamente... e assustei-me, a pessoa que tinha visto era eu... entrei, fechei a porta, olhei-me durante um bocado, despi-me a olhar para o espelho, chorei muito, o meu corpo, a minha cara, não me pertenciam... entrei na banheira e a agua limpou-me a alma, fiquei calma... sai da banheira, olhei para mim nos olhos, sorri, dei beijos nos meus braços e nas minhas mãos, passei com as mãos na cara e prometi que nunca mais me ia tratar mal, claro que aquele era o meu corpo, disse alto: amo-te Sandra e vou ser muito feliz. Sai da w.c com um grande sorriso, os médicos estavam a espera da minha reacção, mas viram que nada me ia derrubar, foi então que tive a noticia que ia para casa. 
 Regresso a casa...
 Foi estranho, desejei tanto aquele momento e estava com tanto medo, a menina forte, estava pequenina. Enganei-me na primeira toma de medicação, entrei em pânico, chorei muito agarrada ao Alfredo, disse-lhe que tinha medo de tudo e que se calhar era melhor voltar para o hospital, lá sentia-me segura. Telefonamos para o Dr Rui Soares ele tranquilizou-nos, afinal ate era normal me ter enganado e não era um medicamento que me fizesse mal. Os dias foram passando, fui ganhando forças e passado um mês já ficava sozinha em casa até o Alfredo chegar. Tudo era difícil, pois eu não tinha muita força, não tinha equilibrio... Todos os dias passava uma barreira, sentia-me viva, era bom. 
As fases a partir dai foram mais que muitas, pois o Amor da minha vida, foi-se embora. Lembro-me de passar uns dias na cama a desejar ter morrido, mas no fundo compreendia o que se tinha passado com ele, tinha sido ele a aguentar a maior pressão, visto que os meus pais não tinham cabeça para nada, o Alfredo teve que fazer durante meses de namorado, pai e mãe; viu a namorada a transformar-se num "monstrinho" de 80 kg, careca, cheia de borbulhas, viu as piores fazes da minha doença, foi ele que me rapou o cabelo, era ele que me agarrava para eu vomitar, era a ele que eu  dizia que tinha medo de morrer... Como eu o percebi... No fundo quando me viu a caminhar sozinha, quis respirar um pouco.Tive nessa altura os "meus irmãos" ao meu lado dia e noite, a  Fátima e o Óscar fizeram-me ter forças para lutar outra vez, não pelo Alfredo mas por mim, pela vida fantástica que eu tinha pela frente. Desde então vivo ou tento viver a saborear cada momento, a tirar prazer das mais pequenas coisas, a aprender todos os dias coisas novas... Vivo... 
Hoje é dia 21 de Maio de 2009, sinto-me linda, tive um dia de trabalho muito preenchido, fui ao ginásio, jantei uma sopa no café da praça, olhei para o "xis" (uma espécie de amante, amigo ou lá o que é :)  ) e sinto-me a pessoa com mais sorte do mundo. Ora aqui esta uma das formas que arranjei para transformar os meus medos e as minhas tristezas em alegrias, lembro-me do meu passado e ganho força para enfrentar o mundo. 
Um dia destes volto, ainda tenho tanta coisa para contar... A minha vida é tão preenchida e tão cheia de emoções... tantas aventuras, amores, desilusões... 
A vida só vale a pena se for vivida com intensidade, com paixão. 

Sandra Canha